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Pesquisa da FGV conquista no Reino Unido prêmio de destaque em impacto social

Projeto desenvolvido em parceria com a Universidade de Glasgow criou um aplicativo para melhorar o fluxo de informações sobre inundações em territórios vulneráveis e foi incorporado pela Defesa Civil dos estados de Mato Grosso do Sul e Santa Catarina

Um estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV), da Universidade de Glasgow, e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), que desenvolveu um aplicativo para monitorar inundações em territórios vulneráveis, venceu o Celebrating Impact Prize na categoria Outstanding Societal Impact, premiação voltada para reconhecer projetos que tenham gerado significativo impacto social.

O prêmio anual é concedido pelo Economic and Social Research Council (ESRC), o conselho de pesquisa nas áreas de economia e ciências sociais vinculado ao UK Research and Innovation, órgão do Reino Unido que financia pesquisas científicas. 

De acordo com o pesquisador da Universidade de Glasgow, João de Albuquerque, que liderou o projeto em conjunto com a pesquisadora da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP), Maria Alexandra Cunha, este prêmio é o mais importante do Reino Unido quando se trata de reconhecer pesquisas das ciências sociais que tenham gerado impacto.  

“O Celebrating Impact Prize se trata de um prêmio acadêmico avaliado por pares, ou seja, estamos falando em premiar um projeto que saiu do campo da produção de um conhecimento acadêmico para gerar impacto na vida da população”, destacou o pesquisador. Albuquerque acredita que esta conquista não só traz o reconhecimento do estudo em si, mas reitera o modo de fazer pesquisa, em coprodução com diferentes instituições, governo, entidades da sociedade civil, entre outros. 

Dados à Prova D’água 

O projeto Dados à Prova D’água busca melhorar o fluxo de informações relacionadas a inundações, sobretudo em regiões vulneráveis a este tipo de ocorrência. A pesquisadora Maria Alexandra explica que estas informações costumam ser provenientes de agências governamentais ou centros especialistas. Essas agências e centros produzem dados que subsidiam, por exemplo, o envio de alertas para a população que também conta com suas próprias informações baseadas em conhecimento do território em que ocupa. 

“Além disso, as pessoas de uma determinada comunidade também repassam umas às outras o conhecimento sobre o seu território, o que eventualmente pode informar políticas públicas. Acontece que todo este fluxo de dados sobre inundações, com diferentes informações e oriundas das várias partes interessadas acaba se quebrando, o que pode pôr em risco o bem-estar da população. Por isso, nosso projeto criou métodos para melhorar o fluxo dessas informações”, declarou Cunha. 

O estudo culminou na criação de um aplicativo gratuito, disponível para quaisquer comunidades, no qual as pessoas alimentam uma plataforma com medidas das chuvas e do nível dos rios, além de informações sobre as consequências desses eventos no território. O aplicativo envia esses dados gerados pela população para um banco de dados, que também é alimentado pelas agências e centros especializados, e a partir do qual é gerado um dashboard, disponível à população, Defesa Civil, ou a qualquer interessado. 

Segundo Cunha, não dá para falar do aplicativo sem exaltar os métodos que foram criados pelos pesquisadores para coproduzir conhecimentos com as pessoas dos territórios vulneráveis ou de centros de expertise. O grupo adotou uma abordagem inspirada na pedagogia dialógica de Paulo Freire e guiada por princípios de justiça climática e de justiça de dados. “Para dar visibilidade a esses dados desenvolvemos o diário de dados, e para engajar a população com essas informações, aplicamos a jardinagem de dados, a polinização e o mapeamento dialógico”.

A coordenadora do Cemaden Educação, pesquisadora Rachel Trajber destaca que ao invés de apenas recolher dados, a metodologia de Ciência Cidadã, proposta pelo Programa Cemaden Educação, envolveu comunidades escolares e defesas civis das cinco regiões do Brasil como coprodutoras de conhecimento. Ela explica que, na prática, isso se deu com a criação de redes observacionais de pluviômetros de garrafas PET em escolas e residências, com dados pelo aplicativo ‘Dados à Prova d’Água’, juntamente com as memórias das pessoas sobre desastres, e complementa: “Além disso, foram trabalhadas as formas como lidariam com a situação, proporcionando uma oportunidade de enfrentar o problema de inundações, alagamentos e deslizamentos de encostas de diferentes formas".

Trajber afirma, também, que as lições aprendidas com o método aplicado - no qual pesquisadores e cidadãos colaboram em todas as fases da produção dos conhecimentos - mostraram que esta abordagem poderia ser aplicada para capacitar a ação climática, liderada pelas comunidades e escolas. “Essa ação é voltada, especialmente, em áreas com vulnerabilidades face aos riscos crescentes de eventos climáticos extremos”, enfatiza a pesquisadora.

Além disso, o projeto Dados à Prova D’água criou uma disciplina eletiva para escolas do ensino médio, localizadas em regiões que sofrem com risco de inundação. Assim, alunos e professores em sala de aula podem exercitar este método de medição pluviométrica e ajudar a disseminar a ferramenta em seus territórios. 

“Este é um componente importante deste projeto, tendo em vista que o aplicativo inicialmente foi testado em 7 cidades de 5 estados brasileiros. Os “polinizadores” do projeto não só testaram a plataforma, mas orientaram a população a utilizar o pluviômetro, as formas corretas de tirar as medidas, como subir essas informações no app, além de disseminar o uso da ferramenta para outras pessoas na cidade, como alunos e membros das comunidades”, disse. 

Atualmente, a plataforma já foi utilizada por mais de 200 escolas e mais de 100 defesas civis, que mobilizaram em torno de 500 cientistas cidadãos.

Multidisciplinaridade e parcerias internacionais 

O projeto, que contou com co-financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), envolveu a participação de mais de 70 pesquisadores e membros de diferentes comunidades de forma multidisciplinar, passando pelas ciências exatas como hidrologia, física e informática, até as ciências sociais e humanas, com pesquisadores das áreas de geografia, psicologia social, administração pública, estudos de mídia e artes. 

De acordo com o diretor científico da Fapesp, Marcio de Castro Filho, o investimento em pesquisas com impacto direto na vida das pessoas é fundamental para o progresso social e o avanço da qualidade de vida. 

"Além de contribuir com o desenvolvimento científico, estas pesquisas geram soluções práticas para os desafios enfrentados pela sociedade. Nesse sentido, a Fapesp contribui para o financiamento de pesquisas orientadas a objetivos estratégicos, entre eles, as mudanças climáticas. E isso também é realizado por meio de cooperações como é o caso da chamada de propostas com o Belmont Forum".

Também são parceiros do projeto a Universidade de Heidelberg, na Alemanha e o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Outros órgãos públicos de várias esferas de governo também se envolveram na fase de testes. 

Cunha acredita que a multidisciplinaridade presente neste projeto evidencia novas formas de fazer ciência na atualidade. “Além dos parceiros acadêmicos e governamentais, o protagonismo das comunidades representa um papel fundamental neste projeto, pois participam desde a elaboração do diagnóstico até a solução dos problemas”, destaca a pesquisadora, ao relembrar que a origem deste estudo se deu a partir de outro projeto da FGV, que possui uma estação de pesquisa em M´Boi Mirim, uma região da Zona Sul de São Paulo que conta com quase 600 mil pessoas. Foi a partir desta experiência que surgiu o Dados à Prova D’água”, ressaltou.  

O projeto criou também um canal no Youtube que armazena um conjunto de filmes sobre memórias de inundações, vídeos curtos que resgatam vivências das populações que enfrentam esses desastres, com foco em valorizar o conhecimento dos indivíduos sobre o fenômeno. Clique aqui e acesse

Reconhecimento e ampliação do projeto 

Com o reconhecimento do Celebrating Impact Prize, João de Albuquerque acredita que o Dados à Prova D’água pode ter maior visibilidade e, com isso, maiores chances de ajudar comunidades que enfrentam problemas de inundação. 

“O projeto foi reconhecido pelo Times Higher Education Awards, em 2022, um prêmio também do Reino Unido, conhecido como o ‘Oscar da Educação’. Na ocasião, o estudo da FGV e Universidade de Glasgow foi indicado como Projeto do Ano na categoria Artes, Humanidades e Ciências Sociais. No Real Impact Awards da Emerald Publishing, o Dados à Prova D’água conquistou uma menção honrosa na categoria Mobilizing Research Into Action, que reconhece o compromisso para conectar a pesquisa e a ação, a fim de proporcionar mudanças na sociedade, com foco especial na colaboração internacional”, detalhou Albuquerque. 

Além de o aplicativo ser utilizado em escolas situadas em áreas de grande risco de inundação no Brasil, a metodologia do projeto foi incorporada pela Defesa Civil dos estados de Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Representantes do governo da Colômbia também entraram em contato com os pesquisadores no intuito de adaptar o aplicativo à realidade colombiana. 

“Nosso objetivo é ajudar diversas comunidades em situação de vulnerabilidade, não só no Brasil, mas ao redor do mundo, a enfrentarem os riscos que surgem com as inundações e outros eventos climáticos extremos, visto que no contexto das mudanças climáticas, se tornarão cada vez mais frequentes”, concluiu Albuquerque.  

O vice-diretor FGV EAESP, Tales Andreassi, destaca: “Esta premiação mostra que a Pesquisa da FGV está atingindo patamares internacionais de qualidade e excelência, auxiliando nossa escola na captação ativa de bolsas e financiamentos advindos de outros países”.

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